Serão nulas as sentenças condenatórias fundamentadas exclusivamente no depoimento de policiais”. Este é o parágrafo único do Projeto de Lei 7024/2017, de autoria do deputado federal Wadih Damous (PT-RJ), que aguarda para ser julgado pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara.
Na prática, a medida evitaria cerca de 74% das prisões por tráfico de drogas no país, já que, de acordo com pesquisa de 2016 do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), esse é a porcentagem de condenações baseadas exclusivamente nas falas dos policiais que efetuaram o flagrante.
Segundo Wadih Damous, o projeto visa reduzir o número de presos no país, já que “a criminalização do tráfico de drogas é a grande responsável pelo encarceramento em massa dos últimos anos”. Para ele, existem dois fatores que resultam no grande número de encarcerados por tráfico. O primeiro é a ausência de critérios mínimos para diferenciar quem exerce o comércio de drogas daquele que é apenas um usuário. O segundo é, justamente, o fato de que as condenações por esse crime são, frequentemente, baseadas exclusivamente no depoimento de policiais.
“Os depoimentos de policiais ou de qualquer agente público não podem ser analisados de forma isolada e servir de um único meio para lastrear uma condenação”, argumenta o deputado. Isso porque, para ele, o depoimento prestado pelos agentes envolvidos no flagrante trazem consigo um juízo condenatório em relação ao réu.
Além disso, a condenação baseada apenas no testemunho dos policiais “dificulta o exercício do contraditório por parte do acusado, já que será a sua palavra contra a do agente público”. Nesses casos, ressalta o PL, “o juiz tende a dar maior credibilidade à palavra do policial, invertendo o ônus da prova e obrigando o acusado a ter que provar sua inocência em situação amplamente desfavorável”.
Segundo a socióloga Maria Gorete Marques de Jesus, que coordenou a pesquisa do NEV-USP, a credibilidade da narrativa policial perante os juízes e demais operadores do direito é muito grande, em detrimento da versão do réu.
“Mesmo a pessoa relatando que sofreu violência, ou que o flagrante foi forjado, os juizes questionam a pessoa: por que os policiais iam fazer isso com ela?”, relata Gorete. “Eles dizem ‘eu não posso duvidar da palavra de um policial que está defendendo a sociedade, eu preciso acreditar nele’”.
Gorete conta ainda que, durante a realização da pesquisa, percebeu-se que os policiais costumam dar ao juiz a versão dos fatos que irá resultar numa condenação por tráfico: “A pessoa estava com uma porção fracionada, tinha dinheiro trocado, o local é conhecido como ponto de venda de drogas. Enfim o policial tem um saber para oferecer subsídios e as supostas provas que os operadores necessitam para decidir pela condenação dos acusados”.
“Não tem como testemunhar contra um policial”
Para Luis Carlos Valois, juiz da Vara de Execução Penal do Tribunal de Justiça do Amazonas e colunista do Justificando, a prática de encarcerar pessoas envolvidas com drogas somente com testemunha policial é “costumeira” no país. “Esse é um vício estimulado, autorizado e legitimado pelo judiciário”.
“Se aprovado esse projeto de lei, com certeza muita gente deixaria de ser presa”, afirmou Valois. “Os policiais teriam que passar a buscar testemunhas efetivas de que a pessoa é traficante, o que é o correto”.
Ele ressalta ainda que, em concordância com o Código de Processo Penal, já não deveriam haver condenações com base apenas no testemunho policial: “O CPP diz que a testemunha tem que ser a pessoa mais próxima do fato possível, e é óbvio que o policial não é a testemunha mais próxima. Se a pessoa é traficante, se ela está vendendo drogas, outras pessoas sabem que ela está vendendo, se não ela não venderia para ninguém. Uma das características principais do comércio é as pessoas saberem que o indivíduo é comerciante, então sempre há testemunhas de que a pessoa está vendendo aquela substância”.
“O fato de ser o policial a testemunha exclusiva do fato torna o processo penal um arremedo, uma farsa”, diz Valois. “A pessoa chega pronta para ser condenada e, dificilmente, ela vai conseguir provar sua inocência, o que é uma temeridade. Se argumenta que ninguém iria depor contra um traficante, mas também não tem como testemunhar contra um policial”.
Por Lígia Bonfanti
Fonte: justificando.cartacapital.com.br
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