A divulgação do conteúdo da delação premiada do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado envolveu 23 políticos de oito partidos no esquema de propina denunciado por ele à Lava-Jato, entre eles o presidente interino, Michel Temer, de seu partido, o PMDB. Segundo Machado, Temer lhe pediu R$ 1,5 milhão num encontro, em 2012, na Base Aérea de Brasília, para a campanha do também peemedebista Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo. O dinheiro, diz o delator, foi pago pela construtora Queiroz Galvão. O presidente interino afirmou que a acusação de pedir recursos ilícitos é “absolutamente inverídica”.
Machado deu o nome de 16 empresas que tinham contratos com a estatal e que, segundo ele, pagaram R$ 109 milhões em propina. O delator disse que remetia, desde 2008, mesada de R$ 300 mil ao presidente do Senado, Renan Calheiros. E que, por dez anos, repassou R$ 200 mil mensais ao senador Romero Jucá. Em troca, os políticos do PMDB o mantiveram na presidência da Transpetro.
Machado também contou que o senador Aécio Neves (PSDB-MG) recebeu, de forma ilegal, R$ 1 milhão, em 1998. O dinheiro, disse o delator, foi usado para financiar campanhas de 50 candidatos à Câmara, com o objetivo de alçar o então deputado ao cargo de presidente da Casa, em 2000. Aécio e os demais políticos citados negam as acusações.
A seguir, especialistas avaliam o impacto das afirmações de Sérgio Machado envolvendo Temer e outros caciques, que se somam a uma enxurrada de outras delações. Para eles, as acusações arranham o governo interino e fragilizam a credibilidade dos partidos. Os analistas apontam a carência de nomes para a disputa presidencial em 2018.
Carlos Pereira
“É muito grave. Alertava sobre isso no início: o governo Temer nascia com base parlamentar sólida, com uma certa lua de mel, mas numa ilha sujeita a terremotos. Talvez seja o primeiro terremoto e vai exigir do governo muita habilidade. Até então as críticas estavam fundamentalmente concentradas nos atores que circundavam o presidente. Gera desgaste muito grande, mas é preciso esperar para ver se a delação foi ancorada em provas e evidências concretas. A encruzilhada histórica que o Brasil vive hoje não é do governo Temer, mas da luta contra a corrupção, independente de quem esteja no governo. As saídas da crise são constitucionais, passam necessariamente pelo que a Constituição disser. Novas eleições não estão na Constituição. Isso sim seria um golpe (convocar novas eleições). As instituições políticas brasileiras já estão maduras o suficiente para evitarem soluções extraconstitucionais em qualquer crise. A eleição de 2018 ainda está distante. É bastante difícil que surja alguém de fora da política como alternativa real de poder, mas ainda é muito cedo. A situação do Aécio vai depender das consequências da punição que ele vier a sofrer mediante alguma investigação concreta. As pesquisas já mostram que ele vem enfrentando desgastes fortes, mas é muito cedo. Caso ele saia ileso, pode ser até que se fortaleça. É preciso saber qual vai ser o desfecho na Justiça.”
Carlos Pereira é xientista político e professor da FGV-Rio
Felipe Borba
“Essa delação vai diretamente no Temer. Acho que vai impactar e tende a aumentar, ainda que seja uma possibilidade remota, a chance da Dilma no Senado. O governo Temer nasceu com perspectiva de novo, mas na parte ética não está apresentando nenhum contraponto. Pode influenciar o voto de alguns senadores que estão em dúvida. A margem de votos da primeira votação é pouco segura para o Temer. Acho difícil essa possibilidade de nova eleição, ainda que haja um clamor. Vejo em 2018 um cenário perto daquele de 1989, pelo número de candidatos competitivos. Sair do governo, num certo sentido, foi bom para o PT, que ganhou o discurso de que houve golpe. Caso continuasse no governo, ia chegar estraçalhado a 2018. Apontar que o Lula está fora do jogo ainda é precipitado. Ainda que não seja o Lula de 2010, tem capital político muito forte. Para o PSDB, seria melhor que a Dilma continuasse. Com o PSDB no governo Temer, se este governo termina com uma aprovação baixa, acaba contaminando o partido. O Aécio Neves está envolvido em várias denúncias, e a disputa deve ficar entre Serra e Alckmin. A Marina vai perder muito discurso da nova política, já que surgiu a informação de um esquema de caixa dois em sua campanha de 2010. Vai ser uma eleição muito aberta, sem um favorito claro.”
Felipe Borba é cientista político e professor da UniRio
Carlos Ranulfo
“Em relação ao Congresso, acredito que não tem impacto, porque o Congresso também está enrolado. É mais complicado o Temer pedir o congelamento de gastos públicos do que essa denúncia. O problema é o desgaste do Temer com a sociedade. Tira ainda mais a legitimidade de um governo interino, que já é questionado e cuja imagem não é lá essas coisas. Os problemas com o Congresso são de outra ordem, como o vácuo deixado pelo Eduardo Cunha, a medida que prevê o teto para os gastos públicos e a Reforma da Previdência, por exemplo. Uma nova eleição é uma saída pouco viável. Não há tempo e necessitaria de um acordo entre atores que não estão dispostos a conversar. A não ser em uma situação em que o governo Temer fique insustentável, mas não é essa a situação. O problema é mais de médio prazo. Estamos no limiar de uma crise de representação do sistema partidário. Tenho a impressão de que as delações estão levando o sistema partidário por água abaixo. Não há ninguém com esse perfil, mas a possibilidade de alguém fora da política aparecer sempre existe. Mas não há ninguém se propondo a esse papel, e não vejo quem possa aproveitar a brecha. Acaba sendo uma sorte não ter um aventureiro querendo lançar a candidatura. Vejo como um cenário mais provável uma eleição aberta, sem favoritos.”
Carlos Ranulfo é cientista político e professor da UFMG
Paulo Baía
“As declarações de Sérgio Machado tornando-se públicas e envolvendo Michel Temer têm um impacto na opinião pública. Têm impacto na medida em que ele não é um líder carismático, e qualquer nome da lista fica com uma marca negativa. Isso tem consequências junto à sociedade e à opinião pública. Já no Senado, eu minimizo isso. Michel Temer tem uma base muito coesa no Senado e na Câmara. O Senado sofre pressão da opinião pública, mas o que essa opinião pública quer é o impeachment, independentemente de Michel Temer. Não creio que essas denúncias e a atual conjuntura política possam determinar a realização de uma nova eleição presidencial. Mas, não podemos descartar que há no TSE um processo que pede a cassação da chapa Dilma e Temer e que pode ir adiante. Se isso acontecer e for até 2016, a eleição é direta. Em 2017, seria uma eleição indireta. Será que a população quer um presidente escolhido por esse Congresso? Na eleição presidencial de 2018, dá para imaginar um cenário difícil. Estamos vivendo o maior expurgo da classe política. A população nunca foi tão politizada como agora, mas, ao mesmo momento, não acredita nas instituições políticas. Até lá, talvez surja um nome novo de Judiciário ou Ministério Público. Uma liderança que não está posta no cenário. Os nomes tradicionais estão todos desgastados.”
Paulo Baía é cientista político e pesquisador da UFRJ
Michael Mohallem
“A delação do ex-presidente da Transpetro tem muito impacto. As razões pelas quais a Dilma se tornou muito impopular não foram as pedaladas fiscais. Foram, entre outras coisas, as denúncias envolvendo a Petrobras e aliados. Essas denúncias chegando com uma citação direta ao presidente interino, que já tem baixa popularidade, influenciam muito. A votação final no Senado só acontecerá em agosto, no melhor dos cenários. Isso fragiliza a situação. Para a maioria qualificada, o presidente interino não tem uma maioria muito folgada. A maioria para o impeachment é de 2/3 do Senado. Por mais que Michel Temer tenha uma base muito sólida, precisa de uma super maioria. Na medida em que a crise venha a se tornar grande, envolvendo Michel Temer, vários parlamentares podem ver o projeto dele como inviável, assim como podem ver o da Dilma inviável. Para essa base, a emenda constitucional (para novas eleições) pode ser alternativa. Mas, ela depende de vários atores. O STF vai ser provocado sobre o assunto. Em relação à eleição de 2018, alguns partidos podem insistir em candidaturas que têm algum tipo de envolvimento na Lava-Jato. Outros podem apostar em novas lideranças, menos experientes, mas não envolvidas nesses casos. Mas, não há razão para que uma simples delação possa eliminar uma candidatura.”
Michael Mohallem é cientista político e professor da FGV-Rio
Antonio Testa
“Essa notícia sobre a delação do ex-presidente da Transpetro vai ser insignificante para o presidente interino, Michel Temer. Já tinha se falado sobre isso. É requentado. Pode ser que venham mais denúncias, não estou dizendo que não tenha envolvimento. Essa divulgação não tem impacto porque não tem provas. Hoje, Michel Temer também tem o controle das relações com o Parlamento, o que não traz maiores consequências por conta da denúncia. Nesse momento, a única coisa que poderia gerar novas eleições seria a cassação da chapa Dilma-Temer. O ministro Gilmar Mendes, d o TSE, pode cassar a chapa. Outro cenário seria Dilma voltar e convocar novas eleições, mas teria que pedir para o Congresso, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição. Poderia acontecer, mas a chance de passar é mínima. Para 2018, considerando os nomes que aí estão, seria uma eleição com índice de abstenção grande. Não tem um nome fortíssimo para ser eleito, e a Lava-Jato vai produzir mais desgaste ainda. Hoje, não vejo nenhum nome que pudesse chegar com grande vantagem. Até agora, não apareceu o nome de ninguém que possa ser o salvador da pátria. O processo de impeachment e a Lava-Jato estão mostrando a face real da política brasileira. Está deixando um vazio de lideranças. E ainda não surgiram nomes para ocupar esses vazios.”
Antonio Testa é cientista político e professor da UnB
José Álvaro Moisés
“É preciso ter muito cuidado com as revelações que estão vindo à tona porque elas têm um potencial extremamente importante de fazer uma limpeza na política brasileira, uma limpeza necessária. Mas não podem criar um ambiente para o impedimento das instituições, o Supremo Tribunal Federal, a Polícia Federal, o Ministério Público. As revelações da Lava-Jato são consequência de um funcionamento virtuoso de algumas instituições republicanas extremamente importantes. Estamos diante de uma situação muito delicada que irá exigir das lideranças políticas que ainda estão atuando, independente de saber se virão a ser indiciadas ou não, uma extrema responsabilidade: qualquer descuido pode significar desarmar todo o funcionamento do sistema político brasileiro, que tem muitos problemas, distorções. Mas a maneira de reformá-lo não é fazê-lo parar de funcionar.
A crise que vivemos é política, é econômica, mas também é de valores e de lideranças. Este é o desafio mais grave dos partidos no processo de redemocratização.
Novas eleições não são uma coisa simples de se fazer num curto espaço de tempo. O grande teste que nós vamos ter agora é sobre os partidos políticos. Eles, em situação de crise, em situação de risco, como estão sendo colocados, serão capazes de se renovar? Quem vai ser capaz de produzir alternativas?”
José Álvaro Moisés é cientista político da USP
Rubens Figueiredo
“A repercussão coloca o presidente interino no mesmo nível das pessoas investigadas. E, para um governo que necessita de confiança e credibilidade, essa revelação é um balde de água fria. As coisas têm que ser provadas, é claro. Agora: uma suspeita dessa dimensão não ajuda. Eu vejo mais instabilidade política, mais turbulência.
Essa delação pode gerar, na opinião pública, uma boa vontade com a ideia de novas eleições presidenciais, mas acontece que isso daí não está na nossa Constituição. Seria necessário um consenso, difícil nessa crise, para que isso seja aprovado no Legislativo. Os principais “jogadores” estariam envolvidos na Lava-Jato, cria-se uma insegurança total. E o político é igual ao capitalista, ele gosta de segurança.
Para as eleições, não vai sobrar nenhum. Esse relacionamento entre empresas privadas e o poder público é o modus operandi. A política brasileira funcionou e funciona assim. Sem uma reforma, a tendência é que continue, numa dimensão menor. A nova Legislação Eleitoral é um pedido para que políticos saiam da lei: impede a doação de pessoas jurídicas e limita o gasto a 70% do maior gasto da eleição anterior. É inviável fazer campanha. Nesse contexto de descrença generalizada, o cenário é propício para alguém de fora do sistema, que simbolize a mudança dos costumes na política.”
Rubens Figueiredo é cientista político e diretor-geral do CEPAC
Com informações do O Globo
Partidos procuraram acordos para barrar Lava Jato, diz Machado em depoimento
Com bom trânsito na cúpula do mundo político e empresarial, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado disse aos investigadores da Lava Jato não haver dúvidas para ele de que havia uma iniciativa de muitos políticos para prejudicar a operação.
“Após essas conversas ficou claro para o depoente que havia muitos políticos de diversos partidos procurando construir um amplo acordo que limitasse a ação da Operação Lava Jato”, diz depoimento de Machado que explicava os diálogos que gravou com caciques do PMDB em março – antes de o processo de impeachment de Dilma ser aberto pelo Congresso. As conversas trataram, dentre outros assuntos, de estratégias para barrar a Lava Jato.
Segundo Machado, o próprio senador Romero Jucá (PMDB-RR), que foi derrubado do Ministério do Planejamento após vir à tona os diálogos em que fala em “estancar” a Lava Jato, teria lhe confidenciado “sobre tratativas com o PSDB nesse sentido facilitadas pelo receio de todos os políticos com as implicações da Operação Lava Jato”.
O PSDB hoje está na base de apoio do governo interino de Michel Temer e possui três ministérios, incluindo o da Justiça, responsável, dentre outros, pela Polícia Federal.
A preocupação, contudo, ia além dos tucanos. “Essas tratativas não se limitavam ao PSDB, pois quase todos os políticos estavam tratando disso, como ficou claro para o depoente; que o Romero Jucá sinalizou que a solução política poderia ser ou no sentido de estancar a Operação Lava Jato, impedindo que ela avançasse sobre outros políticos, ou na forma de uma constituinte”, relatou o delator.
Além de Jucá, o presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) também teria falado sobre as estratégias para tentar barrar a operação. De acordo com Machado, no diálogo em que falam sobre “pacto de Caxias”, ele e o presidente do Senado estavam se referindo a alternativas legislativas que possibilitassem alguma “anistia ou clemência” aos políticos investigados. Ele ainda relata que Renan deixou claro que seria a “esperança única” do PSDB para tomar as medidas que podem impedir os avanços da operação.
“Quando Renan Calheiros diz (na conversa gravada) que ‘eu sou a esperança única que eles têm de alguém para fazer alguma coisa’, o ‘eles’ refere-se especificamente ao PSDB, embora o temor dos políticos da Operação Lava Jato seja generalizado”, disse o depoente. ‘Fazer alguma coisa’ refere-se a um pacto de medidas legislativas para paralisar a Operação Lava Jato, que incluía proibir colaboração premiada de réu preso, proibir a execução provisória de sentença penal condenatória e modificar a legislação dos acordos de leniência”, relatou Machado.
Para o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o teor das conversas gravadas de Machado com o Renan, o ex-presidente José Sarney e o próprio Jucá deixam claro a existência de um “acordão”, que “segue sendo costurado”, por meio das nomeações de Jucá (que deixou o Planejamento após a polêmica dos áudios), Sarney Filho (Ministério do Meio Ambiente) e políticos tucanos para os ministérios de Temer.
“O intento dos requeridos (Renan, Jucá e Sarney), nessas diversas conversas gravadas, é construir uma ampla base de apoio político para conseguir, pelo menos, aprovar três medidas de alteração do ordenamento jurídico em favor da organização criminosa”, afirma Janot no pedido de prisão preventiva contra Jucá e Renan e de prisão domiciliar com tornozeleira eletrônica para Sarney encaminhado ao Supremo Tribunal Federal em maio.
Para Machado, todo o contexto das conversas gravadas também deixou claro que havia uma preocupação geral dos políticos em tentar impedir a maior operação de combate à corrupção no País.
O delator já foi líder do PSDB no Senado durante o governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e se filiou ao PMDB em 2001, partido que o garantiu o cargo de presidente da Transpetro por 11 anos durante os governos petistas, entre 2003 e 2014.
Ele entrou na mira da Lava Jato e sua residência chegou a ser alvo de buscas na Operação Catilinárias, deflagrada com autorização do Supremo para investigar os políticos envolvidos no esquema de corrupção da Petrobras.
A partir dessa busca, Machado relata que começou a se preocupar com os avanços da operação e decidiu que iria colaborar com as investigações. Uma das ideias que teve foi exatamente gravar conversas com seus colegas da cúpula peemedebista nas quais buscava alternativas para tentar escapar do juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava Jato em primeira instância.
Todos os políticos flagrados nos diálogos e também citados na delação do ex-presidente da Transpetro negam envolvimentos em irregularidades e rechaçam as acusações de Machado.
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