"A gente vai dormir sem saber se vai acordar", desabafa o homem prestes a completar 30 anos, dos quais dois passou nos arredores da Praça do Ferreira, em Fortaleza. A violência, se já preocupa quem tem teto, aterroriza ainda mais os desabrigados. Em três anos, foram notificados 58 casos de violência envolvendo a população em situação de rua na Capital. Em todo o Ceará, o número chegou a 233 no período de 2015 a 2017, conforme boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, lançado neste mês.
Os casos registrados se referem tanto à violência interpessoal (realizada por outras pessoas) quanto autoprovocada (autoagressões ou tentativas de suicídio); a segunda situação só ocorre em 7% das notificações em todo o Brasil, segundo a Pasta. Nas ruas de Fortaleza, prevalecem mesmo as brigas, como relata Geovani Pereira, 29, que vez ou outra ainda volta a dormir ao relento - "mas nunca passo mais de cinco dias", esclarece.
"Uma vez, quase morro. Levei 'cabada', barra de ferro. 'Tornei' no IJF (Instituto Dr. José Frota) e fiquei 23 dias internado. Soube que uma viatura da Força Tática ia passando e me acudiu", relata, exibindo cicatrizes no braço, na cabeça e no supercílio esquerdo. O motivo da agressão? "É aquela coisa: você tem um cantinho, 'pastora' carro e tá ganhando bem, mas tem um 'vizinho' que não ganha nada. Junta de cinco, de seis (pessoas) pra agredir".
Subnotificação
Há apenas duas semanas morando na rua, F.G., 28, já sabe que "a rua não tem futuro". "Já virou rotina de agressão. Tem vez que é facada. Uma vez, deram uma 'pisa' num cara que ficou de sangue. Não morreu porque se 'meteram'. Se você sair da Praça, é triste, você tá sujeito a tudo. Quem é daqui não pode andar em outros cantos. Fica a desunião", aprendeu o jovem, que é natural de Novo Oriente, no Sertão de Crateús, a 420 km de Fortaleza.
Instrumento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), o Disque 100 recebeu denúncias de 27 casos de lesão corporal e 27 de maus-tratos a pessoas em situação de rua, no Ceará - mas durante oito anos, entre 2011 e 2018. Para quem vive o dia a dia (e principalmente a noite) da rua e para a irmã Eugênia Maciel, coordenadora da Pastoral do Povo da Rua da Arquidiocese de Fortaleza, ainda há muita subnotificação de registros.
"Se forem agressões, têm bem mais. Os relatos que escuto falam tanto da violência entre eles mesmos, pela rivalidade, quanto da violência institucional, promovida pela própria Polícia. Normalmente, são homens e mulheres que fogem de seus bairros por conflitos de facção e se aglomeram no Centro da cidade, mas sofrem por causa de novos territórios", explica a religiosa, lembrando que o povo da rua ainda enfrenta outra forma de violência: o preconceito.
O Ministério da Saúde também observa que as razões para a subnotificação variam desde a não procura pelo serviço de saúde pela vítima (ou dificuldade de acesso ao serviço), até o não registro dos casos no sistema de notificação pelo profissional de saúde. O levantamento mostra que as notificações atingem mais adultos de 18 a 50 anos.
Proteção social
De acordo com Maciel, o ideal seria que as políticas públicas para essa população fossem embasadas por levantamentos censitários, mas não há certeza se uma nova edição será realizada. O último Censo da Prefeitura, elaborado em 2014, informou que Fortaleza tinha 1.718 pessoas em situação de rua, a maioria concentrada no Centro e na Beira-Mar. "A gente vê que, pela quantidade cada vez mais crescente de pessoas, as políticas públicas se tornam deficitárias, não conseguem atingir a todos", lamenta.
A Polícia Militar do Ceará (PMCE) informou, por nota, que a Praça do Ferreira possui policiamento 24 horas e conta com o apoio da Guarda Municipal de Fortaleza (GMF). Já o Centro tem duas viaturas e mais de vinte postos de policiamento a pé, além de composições de ciclopatrulhamento.
"Eventuais agressões envolvendo pessoas em situação de rua, quando chegam ao conhecimento da Polícia Militar, "são prontamente atendidas e os eventuais conflitos são devidamente gerenciados, de modo a garantir a segurança das pessoas envolvidas". A Corporação destaca que o comando do 5º Batalhão Policial Militar tem participado de reuniões com o Executivo Municipal para elaborar ações e políticas públicas que proporcionem às pessoas em situação de rua "o acolhimento necessário às suas necessidades".
DN Online
Previdência não será suficiente para retomada, avaliam economistas
As expectativas de crescimento econômico nacional caem dia após dia. A previsão do mercado para 2019 atingiu menos de 1% pela primeira vez ontem, após 15 semanas consecutivas de redução – especialistas ouvidos pelo Banco Central (BC) preveem um crescimento de apenas 0,93% neste ano. A pouco mais de seis meses para o fim de 2019, economistas seguem apostando na reforma da Previdência como inerente à retomada do crescimento, mas avaliam que outras reformas são indispensáveis para as engrenagens de uma economia aquecida.
O Ceará, cujo Produto Interno Bruto (PIB) desde o segundo trimestre de 2017 apresentava resultados trimestrais acima da média do País, inverteu a constante na primeira metade de 2018, ficando abaixou ou pouco acima da média nacional. Para o economista Alex Araújo, o Estado fica “preso em uma área de calmaria que se retroalimenta”.
Ele destaca o esforço empenhado pelo Estado por uma mudança de perfil econômico, mas lembra que ainda há uma dependência relevante dos empregos gerados por setores tradicionais, como a indústria. “A economia de serviços depende muito do potencial de consumo do próprio cearense, que por conta da crise de confiança, não compra”, explica o economista.
A reforma, para Araújo, tem impacto em duas frentes, entre as quais a confiança. “A redução de projeções está ligada às expectativas dos agentes econômicos. O andamento mais devagar da reforma pesou para isso e para o próprio resultado da economia no primeiro trimestre. Tanto consumidores como empresários estão mais pessimistas”, diz. No fim do primeiro trimestre deste ano, a economia do País apresentou queda de 0,2%.
A outra frente seria a economia prevista com as mudanças na aposentadoria, estimada em R$ 913 bilhões, em 10 anos, pelo relator do texto na Comissão Especial da Câmara, deputado Samuel Moreira (PSDB-SP).
Reforma tributária
Mas nem de longe as mudanças nas aposentadorias seriam o suficiente para destravar a economia. Ainda conforme a análise de Alex Araújo, a reforma tributária deve demandar muito mais esforços que a da Previdência. A aprovação das duas está submetida a uma articulação coordenada entre Executivo e Legislativo.
“É preciso ter isso bem azeitado para que essa agenda de reformas tenha continuidade. A reforma tributária tende a gerar um impacto na questão dos pactos federativos, até por conta dos municípios, que têm certo protagonismo de receitas”, avalia. Além disso, uma reforma política é vista por ele como componente essencial para uma melhora mais sólida do cenário.
“De toda sorte, acredito que alguns investimentos estão avançando, principalmente em infraestrutura, como leilões de energia alternativa, o que impacta muito o Nordeste. Então, há a oportunidade de, em uma combinação de fatores, ser criado um cenário mais favorável para a mudança do humor”, aponta.
Araújo avalia ainda que a reforma deverá ser aprovada ainda neste ano. “Não será suficiente para um crescimento expressivo em 2019, mas a mudança do humor já é importante”, detalha, acrescentando que o efeito deve ser percebido no último trimestre.
Na visão do economista Ricardo Eleutério, a situação econômica nacional é agravada por uma “intensa queima de capital político” por parte do Governo. “Temos visto uma deterioração de expectativas muito acentuada para um Governo que se inicia. Geralmente, as incertezas políticas e econômicas vão se dissipando à medida que o Governo caminha. E o que a gente tem verificado é exatamente o inverso”, explica.
Ele corrobora com a necessidade de articulação mais eficiente com o Congresso para a aprovação de mudanças no sistema tributário. “A reforma tributária deve simplificar o nosso sistema e diminuir a carga sobre empreendedores e consumidores, ao mesmo tempo sem tirar a capacidade do Governo Federal de fazer receitas e efetuar investimentos. Os governos sempre foram os principais agentes de investimento, mas as dificuldades políticas vão deslegitimando”, relata Eleutério, acrescentando que não visualiza uma retomada ainda em 2019. “A economia fica submersa nesses componentes políticos”.
Investimento penalizado
O economista e consultor empresarial José Maria Porto ressalta que as empresas vêm sendo penalizadas, demitindo e até mesmo deixando de pagar impostos. “A gente esperava que a Previdência fosse aprovada no primeiro trimestre e isso traria um ânimo para a retomada de investimentos domésticos e internacionais. O clima no País é de insegurança. Isso enterra a reforma tributária”, avalia.
Olhando para o Estado, ele avalia que a economia é basicamente voltada para Fortaleza e Região Metropolitana. “Não há uma política de industrialização voltada para o interior. Temos as indústrias especificamente em São Gonçalo, mas a relevância do Ceará na composição do PIB nacional ainda é pequena”, pondera o consultor.
Para ele, mudanças na Previdência e no sistema tributário criariam um ambiente melhor para as empresas, favorecendo o investimento e alavancando os empregos. “Há um custo altíssimo para as empresas no monitoramento desses impostos. Esse clima, alinhado com uma forte redução do poder de compra e desemprego, dificulta”.
Diário do Nordeste
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